Idéia inovadora do designer taiwanês Peng Yu-Lun, evitando paradas e economizando a enorme energia necessária para parar o trem e acelerar novamente até a velocidade final. Veja no vídeo abaixo como funcionaria:
Notícia original no haha.nu
sábado, 30 de maio de 2009
segunda-feira, 25 de maio de 2009
Moro lá no Islã, se eu perder este trem...
Peregrinos islâmicos pegando uma carona na volta do feriado de Sunni, Paquistão; a notícia original você lê aqui.
sexta-feira, 1 de maio de 2009
Tlem pala a plaia
Não é o cebolinha falando, sou apenas eu imaginando o título do post sendo proferido por um dos meus estudantes de português aqui em Hangzhou. Iniciando uma - oxalá - longa série de relatos de viagens sobre trilhos China adentro. E afora, se houver realmente como chegar ao Vietnã de trem. Cheguei bem perto disso ao deslizar até Beihai, cidade praiana ao sul; 29 horas de percurso que valeram tanto quanto o destino e aqui transcrevo.
K537 -19:04 – portão 17
Acabo de embarcar na jornada de 26 horas em direção a Nanning, e de constatar que meus óculos-escuros ovais – situados num bolso muito periférico – foram roubados. Tudo bem, tê-los encontrado desviou-me da busca de óculos-escuros perfeitamente circulares. Depois de alguns momentos de amargura, comecei a agradecer por ter colocado a carteira num bolso frontal com zíper e ter passado o cadeado no bolso do Laptop – vou prosseguir as anotações com o caderninho mesmo.
O trem inicia “a longa marcha” e a senhora das frutas passa, aos brados, em velocidade de cruzeiro – talvez um pouco mais rápido que o táxi que me trouxe à Estação Leste de Hangzhou. Olhando para o relógio no painel a cada dez segundos, eu repetia mentalmente o mantra “laideji” (vai dar tempo) e comprovava que 1 hora de antecedência não é o suficiente numa cidade com mais de 5 milhões de habitantes sem metrô. Nem aqui nem na Chi... Índia. Pergunto ao motorista se ele acha que o fluxo vai melhorar com a chegada do metrô em Hangzhou, prevista para 2009 e já adiada para 2011. Ele me conta que “hora do rush vai ser sempre assim” e que o ditie (literalmente, “dentro/na terra” – “metal/trilho”) é uma “coisa pra daqui a muitos anos”. Será que ele acompanha a velocidade incrível com que seu país vem construindo estradas de ferro?
A senhora das frutas passa de novo, agora silenciosa: olho para as carambolas mas decido não comprar nada (geralmente os chineses já vem preparados, pois a comida no trem é mais cara) e manter o máximo de discrição possível. Já bastam minha camisa carmesim berrante e meu rosto barbado de waiguoren (gente de fora do país), que arranca “hello”s das crianças por onde passo. Sou o único estrangeiro no trem até então. Lembro-me de novo do taxista me perguntando: “Porque você não vai de avião? É mais prático”, fazendo o decolar e pousar da nave com a mão direita. “Trem é melhor para aprender chinês”, digo, “o que eu quero é diversão!”, no que ele abre um enorme sorriso e lança uma gargalhada seca, de uma lufada só.
É animado, sim, mas antes de sacar a câmera vou criar alguma intimidade. Por hoje, só vou comer o sushi que comprei na loja da esquina e, antes que se apaguem as luzes, às 22hs, mergulhar em algum livro. Prometi à minha namorada que leria 8 antes de comprar qualquer exemplar novo. O último foi “O bonde na cidade”, de Maria Beatriz de Castro, e o próximo, 3º da lista, provavelmente será a “Carta ao pai”; Kafka deve ser um bom refúgio nesse momento de atomização extrema, sujeito a regras e um código de conduta que não conheço bem. Antes, talvez seja melhor me afundar no guia Lonely Planet e aprender algo sobre esta Nanning, na qual estarei em um dia. Quantas estações de trem terá? Chegarei na mesma que devo tomar o trem para Beihai, a cidade praiana em si?
8:02 - O (bom) dia (!) amanheceu nublado, escuro, de forma que ainda tem ares de madrugada. Essa alvorada eterna varreu uma insistente série de noites insones com 9 horas de eclipse embalado pela melodia dos trilhos. Sempre durmo melhor em trens. Também tenho a sensação de que é a chance do trabalhador chinês espairecer, deixar-se jogado, fazer alguma manha. É apenas o começo do feriado – para os que não tiveram de trabalhar hoje, Sábado – da semana do primeiro de Outubro, aniversário da Revolução de 49. Neste fim de semana dá-se início ao maior deslocamento humano do planeta – juntamente com o 1 de Maio (semana do trabalhador) e o logisticamente superlativo Festival da Primavera (ano-novo chinês). São centenas de milhões de pessoas realizando um êxodo inverso em direção à laojia – velha casa, terra natal; eu, que sinto saudades da praia e também quero me encontrar com esse algo caro e antigo, também sou uma delas.
Enquanto escrevo, uma velhinha olha-me fixamente. Retribuo com um esboço de sorriso; ela leva alguns segundos para tomar um susto e desviar o rosto. É como se eu fosse uma caravela absurda ao olhar indígena, uma espécie de animal exótico empalhado, mas em pleno movimento, e ela não soubesse ao certo como reagir à informação visual nova; muita gente aqui nunca viu um estrangeiro de perto.
Pela primeira vez ando num trem com televisão. Ela entoa o clipe de uma espécie de música sertaneja. Um sujeito aparece tocando uma miríade de instrumentos que, na verdade, devem ter sido performatizados por outra pessoa. A prática familiar me traz um certo alívio, de fato, algumas coisas nunca mudam. Passem 1000 anos e creio que ainda teremos a mística do artista 10 em 1 que pode muito bem não tocar ou mesmo cantar lhufas, mas sintetiza a obra coletiva em seu carisma.
Os comerciais são majoritariamente voltados para o turismo interno. A diferença com o Brasil é que aqui realmente há como atender toda essa gente para quem anunciam – penso no que aconteceria se os 70 milhões de clientes para quem a Gol diz anunciar resolvessem ir aos aeroportos no mesmo fim de semana. Não que isto aqui também não seja uma espécie de caos para olhos, ouvidos e narizes não acostumados. Vez ou outra a tela plana também lembra que é espressamente proibido fumar fora dos setores designados para tal. No caminho do banheiro passo por um deles e travo a primeira conversa, entre as tragadas do meu interlocutor. “É, o trem parou mas não dá pra descer aqui”, diz. “Pena, eu realmente queria esticar as pernas”, respondo. Ele expira a fumaça com uma expressão divertida mas, ainda assim, tudo aqui me parece mais taciturno que nas viagens que fiz 2 anos atrás, quando morava em Beijing.
A proibição do fumo também estava lá, mas era comumente desafiada, ou mesmo ignorada, arrancando alguns berros do liecheyuan (comissário do trem) e nada além. A presença da TV em cada cabine de 6 pessoas – e de todas as instituições que carrega consigo – parece muito mais esmagadora. Mais que isso: a janela de plasma parece ter tolhido todo o ânimo dos chineses daquele trem em tagarelar, jogar baralho ou tocar instrumentos tradicionais – o que sempre me deixava em transe. Quedam-se ali, embasbacados assistindo a telinha, ou buscam refúgio no mirar pela janela, na leitura ou ainda, como eu, no escrever. Destes não vejo sinal, mas sei que estão por aí. A calmaria é geralmente quebrada por um toque de celular estapafúrdio e absurdamente alto ou pelos jogos e cantigas das crianças; aí sim tenho certeza de que estamos num trem.
14:16 – A kuaican, refeição pronta trazida num carrinho, não me apetece e resolvo conhecer o carro restaurante. Depois algum papo com os “camaradas” – tongzhi – de cabine sobre o Brasil e a variedade de dialetos e sotaques existentes na China, sinto-me mais à vontade para deixar a toca. Preciso de um almoço régio, pois o café da manhã consistiu em pão, café e nas carambolas que, finalmente, comprei. Revelaram-se extremamente doces.
Já esperava um cardápio somente em chinês, a grande surpresa foi compreender a caligrafia de quem o havia escrito, a ponto de barganhar com o mestre-cuca a adição de cogumenlos na carne com vegetais refogados. Pergunto se tem cerveja pequena e gelada. No lugar dela, tomo um meiyou – não tem. Sentindo a pimenta nas primeiras bocadas, peço a grande e quente mesmo. Ao que parece, ela é a chave de toda a animação que faltava nos outros carros; conversas desembocando em gargalhadas e até num possível projeto amoroso; recém-conhecidos bebendo de braços entrecruzados tal qual a cevada fosse champagne. Perco-me na palavras de Kafka, levanto as pernas autometicamente pensando que é a minha mãe quem passa o esfregão e só desperto quando a fuwuyuan – garçonete – pede encarecidamente que eu volte para a minha cabine, que eles também querem almoçar.
De volta ao bunker, ponho-me a escrever e um senhor, até então reticente, a me observar. Chama-se Guan, e começa com o de praxe: quer saber de que país venho, que espécie de língua falamos lá e faz o onipresente e sempre bem-vindo elogio ao nosso futebol. Estamos na estação de Guilin, um dos pontos turísticos chineses mais expressivos: ele explica que isso se deve, em grande parte, a uma peculiar característica topográfica, salpicando a região de inúmeras montanhas independentes em vez de grandes cadeias. Vendo-as agora pela janela, adquirem um quê de daliniano em sua verticalidade e ângulos improváveis. Meu novo amigo ainda dispende meia-hora corrigindo meus tons – o tipo de coisa que as aulas regulares de mandarim não oferecem. Logo me conta o que pode ser uma das raízes de tanta dedicação: o filho de 17 anos estuda, há muito, nos E.U.A. “O chinês dele ficou ruim”, lamenta. Ainda estou em tempo para a sobremesa, escovo os dentes antes, tentando tornar a carambola mais azeda.
O pessoal – somos íntimos agora – vira-se todo para a TV, reconheço o rosto de um ator famoso; ele era o “Espada Quebrada” de “Herói”, filme de Zhang Yimou. Consigo entender boa parte da película, mas acabo sucumbindo a um obstáculo ainda mais inclemente que o lingüístico: o sono. 2 horas de apagão depois, levanto-me, grogue, e o Sr. Guan me dá um gole de baijiu para “acordar”, é a branquinha dos chinos. A bebida faz efeito e logo toda a cabine e adjacências formam um grupo coeso como o arroz chinês; até a inevitável separação anunciada pela chegada na estação de Nanning.
Muitos me aconselharam a tomar o ônibus, que sairia naquela mesma noite; lhes falei de minha preferência pelo trem, que faz o trajeto nas mesmas 3 horas e me daria acesso a uma paisagem diurna muito mais rica. “Também é mais seguro”, emendou um nativo daquela província, Guangxi.
Despedimo-nos e vou direto comprar os tickets de ida e volta para Beihai; o estrangeiro é a estratégia preferida dos fura-filas chineses mas o desta noite amargou uma derrota ao me ouvir falar desengonçado – mas em bom tom – que ele fosse lá pra trás como todo mundo. Fora da estação, barganhei com algumas caça-hospedes e acabei passando a noite no hotel/sobre-loja de uma elétrica; quarto com banheiro, TV, ventilador, mais alguns mosquitos e uma barata, da qual me ocupei de exerminar assim que cheguei – muito bom por 10 reais, na verdade. Uma volta pela avenida principal me deu uma idéia de quão longe estava do ocidente: nenhum Mc Donald’s ou KFC à vista.
Pela manhã, pego os 15 yuan de depósito pela chave no caixa/recepção e encontro a estação de Nanning movimentada, mas ainda assim trafegável. O policial ferroviário da plataforma de embarque identifica-me como estrangeiro perdido e chama-me a atenção. Aponta o meu vagão, semblante desconfiado, como todo bom matenedor da ordem. Fôssemos todos apenas mãos, talvez eu pudesse me camuflar melhor na multidão; muitos chineses deixam crescer uma ou mais unhas da mão direita – para o cofiar, coceiras, comichões, higiene nasal ou auricular. Ao menos em público, justifico o cultivo do hábito pela música, no intercurso com minha guitarra acústica española.
N713 – 9:36 – portão 2
O ar condicionado dá lugar às janela abertas e o clima fica tão agradável que já posso sentir a maresia inundando o trem, tal qual este sol das dez. O calor aumenta e me faz ensopar o assento; decido dar uma volta, câmera estrategicamente escondida na sacola que carrego. Avanço em meio a uma quantidade massiva de olhares curiosos, sorrisos, “hello”s e vendedores de frutas, macarrão instantâneo, meias, brinquedos, cigarros... Chego até o ponto em que o trem fica, misteriosamente vazio e as “ferro-moças” não me deixam mais prosseguir. Não teve jeitinho ou conversa que resolvesse.
Prolonguei ao máximo o passeio de volta a meu assento, como que poupando os demais passageiros de mais uma vez vislumbrar um estrangeiro peludo despindo-se para refrescar; logo desembarcaríamos para uma outra história em Beihai (cujas fotos podem ser vistas aqui). A volta? Foi tanto sono e conversa que não escrevi; viagem de trem tem dessas!
Até a próxima!
Rodrigo B.
Ps: o tais óculos roubados eu havia esquecido em cima da mesa de meu quarto; desculpas formais pelos vitupérios que destinei aos chineses da estação!
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