Nesta última 4ª feira a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) realizou a quarta edição do Brasil nos Trilhos, evento em que concessionárias, clientes, construtoras, indústria, governo, imprensa e demais interessados em transportes e logística trocam idéias; discutem o presente e o futuro da ferrovia no país. Menções ao passado, sejam sobre o saudoso período de ouro ou subsequente decadência na segunda metade do século XX, não ecoaram tão alto quanto o otimismo de setor frente ao crescimento, que segue robusto, superando o susto da última crise econômica.
Apesar de um pequeno atraso, a abertura foi realizada com a execução completa do Hino Nacional. As primeiras considerações foram do Presidente da ANTF, Marcello Spinelli, afirmando o novo patamar alcançado pela ferrovia, representando agora um quarto da matriz de transportes brasileira. O modal sobreviveu a seu quase "óbito" há cerca de 15 anos, passando então por um processo de privatização, tranformação e aprendizado de concessionárias, clientes e governo para retomar o crescimento no setor de cargas e evitar o processo de estrangulamento da logística nacional. É desnecessário dizer (basta tentar subir num trem) que o setor de passageiros permanece uma incógnita e muito se discute sobre o Trem de Alta Velocidade ser o xis da questão.
Os problemas do modal seguem os mesmos; a necessidade de uma revitalização da malha (atualmente cerca de 11 mil dos 29 mil km de ferrovias são efetivamente utilizados, com passagens diárias de trens), a intermodalidade segue sub-explorada, o marco regulátorio é ainda difuso e a competitividade comprometida por gargalos estruturais e políticos. "É impossível descer mais 1 kg de açúcar via caminhão para (o Porto de) Santos", desabafou o Diretor de Logística da Coopersúcar, Maurício de Mauro. "Não é competição, mas sim a agregação dos modais" que consolidará esse "novo ciclo ferroviário do País", comentou Milton Monti, da Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados.
O Ministro dos Transportes Paulo Sérgio Passos ressaltou o insuficiente mas notável aumento de 0,2 para 0,5% do PIB aplicado aos transportes. Afirmou que a supracitada integração dos modais deve estar em consonância com a integração e o crescimento econômicos, daí o redesenho e modernização da malha enfatizando os corredores de bitola larga, verdadeiras espinhas dorsais, como a Ferrovia Norte-Sul. Esta deixou o enredo de tragicomédia - como o da Madeira-Mamoré - e avança como uma realidade capaz de aproximar Oiapoque e Chuí, ligando o Pará e São Paulo, com planos de chegar até o Rio Grande do Sul - caso contrário poderá ser ironicamente rebatizada como apenas "Norte-Sudeste". Agora é torcer para que a ferrovia, os terminais intermodais e a ponte para trens, automóveis e pedestres sobre o Rio Araguaia sejam tão caprichados quanto os vídeos exibidos por João Francisco das Neves, Presidente da Valec, responsável pela empreitada.
Na ausência da Ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, o Secretário Executivo Substituto Volney Zanardi, numa explanação profusa, alertou que o Ministério não trata apenas de licenciamento ambiental de obras, como também lida com temas como qualidade de vida e o uso de recursos; também garantindo que o processo de licenciamento passará pela necessária simplificação.
Foi também apresentada pesquisa focada no modal ferroviário no Brasil, realizada pela Confederação Nacional dos Transportes; reiterado o apoio ao setor ferroviário e á cooperação de modais pela Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias; e apresentado o balanço dos números superlativos do BNDES, com cerca de metade dos R$ 48 bilhões de desembolsos para a área de infra-estrutura destinados á logística. Além da Norte-Sul, foram citados a Nova Transnordestina, investimentos da ALL e da Vale e o terminal da Rumo Logística. Embora responda pela maior parte da carga transportada, nem tudo são commodities, comentou também o Presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (ABIFER), Vicente Abate, chamando atenção para o crescimento do transporte também da carga geral.
Única presidenciável a comparecer ao evento, a candidata Dilma Roussef comparou o tempo em que a ferrovia era "invisível" com este novo momento em que a Norte-Sul transforma-se numa "coluna vertebral" do transporte brasileiro, que irá suprir e criar demanda em sua qualidade de investimento estruturante. Defendeu de críticas - como as do Banco Mundial - o projeto do TAV, citando que, em consulta prévia, o próprio órgão validava o projeto através de três pareceres de especialistas de França, Espanha e Japão. Reiterou também que a absorção da tecnologia dar-se-ia via criação de um Instituto Ferroviário Brasileiro. Dilma traçou paralelo com uma crítica, comum nos anos 80, que dizia ser "absurdo país subdesenvolvido investir em metrô", alertando para os resultados atuais dessa forma de pensar. A candidata dissertou ainda sobre o patamar alcançado de 60% da população brasileira nas classes C, B e A; desenvolvimento que acaba estrangulado pelo gargalo da infra-estrutura. Referindo-se à previsão de que o Brasil poderá transformar-se na "5ª potência", disse que "não é a ordem que interessa, mas a qualidade: precisamos do necessário para realizar o nosso potencial".
Seguiu-se o painel em que clientes como Usiminas, Libra Logística, Coopersúcar e Standard Logística partilharam suas experiências e sugestões; oportunamente sucedido por dois painéis governamentais (sobre planos futuros e o papel da Agência Reguladora) em que o poder público respondeu acerca do que será e está sendo feito frente aos desafios do cenário colocado por usuários, concessionárias e construtoras. O Secretário de Política Nacional de Transportes, Marcelo Perrupato, afirmou que tudo isto está sendo considerado e a 4ª versão do Plano Nacional de Logística e Transporte (PNLT) é baseada em intercâmbio e pesquisa; "não fizemos trancados em nossos gabinetes". Falaram ainda representantes do IPEA e dos Fundos Especiais da Caixa Econômica Federal, seguidos pelo Coordenador do PAC, Maurício Muniz, que enumerou as realizações do programa e os prospectos para o PAC2, rebatendo ainda críticas sobre a suposta ausência de custos definidos ou estudos geológicos precisos no projeto do TAV.
Mostrando mais resultados e planos concretos que sua edição anterior, o 4º Brasil nos Trilhos, embora realizado em uma arena menor e de mais difícil acesso para o público geral, respondeu mais uma vez ao desafio de mapear o transporte ferroviário no Brasil. Percebeu-se também a dificuldade em esmagar toneladas de conteúdo dentro de apenas 9 horas - a piada mais recorrente entre os palestrantes referia-se às elegantes integrantes da organização que cordialmente entregavam bilhetes informando o número de minutos restantes, ou a completa ausência de tempo para maiores asserções. Da mesma forma que o Hino Nacional foi reproduzido na íntegra, fica a sugestão de um maior espaço dentro e entre os painéis para as palestras e debates, fazendo do 5º Brasil nos Trilhos um evento mais completo. Sim, estamos nos trilhos; e fica melhor alargando-se a bitola.
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